sábado, 6 de novembro de 2010

O Problema do Um e os Muitos

A Natureza do Problema

Um dos problemas mais básicos e contínuos da história do homem é a questão do um e os muitos e a sua relação. O fato que em anos recentes os homens têm evitado a discussão desse assunto não deixou de fazer suas pressuposições não declaradas com respeito ao mesmo determinante do seu pensamento.

Grande parte da preocupação presente sobre as tendências desses tempos é literalmente gasta em esforço inútil porque aqueles que guiam as atividades não podem resolver, com as ferramentas filosóficas disponíveis a eles, o problema da autoridade. Isso está no cerne do problema da função apropriada do governo, o poder de tributar, de recrutar, de executar criminosos e travar uma guerra. A questão da autoridade é novamente básica para a educação, para a religião e a família. Onde a autoridade reside, na democracia ou em uma elite, na igreja ou em alguma instituição secular, em Deus ou na razão? As implicações do problema são religiosas, como será demonstrado, mas o fato que ele não é discutido permite uma equalização ignorante de várias religiões e diversas teologias. As diferenças entre cristianismo e ateísmo são básicas, assim como as diferenças entre budismo e cristianismo. A ortodoxia russa, o catolicismo romano, o anglicanismo, luteranismo e o calvinismo, cada um deles tem sua cultura característica de consequência na ação política e social de sua própria pressuposição. O fracasso em reconhecer o fato que todos os caminhos para Deus não são igualmente válidos ou relevantes para a manutenção da cultura ocidental, especialmente nos Estados Unidos, tem extensivamente obscurecido a possibilidade de uma resposta inteligível. A alegação que esta é uma cultura pluralista é meramente o reconhecimento do problema, não uma resposta. O problema da autoridade não pode ser respondido pela razão somente, e básico para a própria razão são as suposições pré-teóricas ou axiomas[1] – que representam essencialmente os comprometimentos religiosos. E um desses comprometimentos básicos diz respeito à questão do um e os muitos.[2] O fato que os estudantes podem se graduar em nossas universidades como bacharéis em filosofia sem qualquer ciência da importância ou centralidade dessa questão não torna o um e os muitos menos básico para o nosso pensamento. A diferença entre Oriente e Ocidente, e entre vários aspectos da história e cultura ocidental, reside em respostas a esse problema que têm sido feitas consciente ou inconscientemente. Quer reconhecido ou não, todo argumento e qualquer exposição teológica, filosófica, política, ou qualquer outra exposição é baseada numa pressuposição sobre o homem, Deus e a sociedade – sobre a realidade. Essa pressuposição governa e determina a conclusão; o efeito é o resultado de uma causa. E tal pressuposição básica refere-se ao um e os muitos.

Essa evitação do problema torna necessário umas poucas definições elementares como um prelúdio para uma discussão. O um refere-se não a um número, mas à unidade e unicidade; em metafísica, ele geralmente significa o absoluto, a suprema Ideia para Platão, o universo para Parmênides, o Ser como Tal para Plotino, e assim por diante. O um pode ser um todo separado, ou pode ser a soma de coisas em sua inteireza analítica ou sintética; isto é, ele pode ser algo transcendente, que é o fundamento de todo ser, ou pode ser algo imanente. O muitos referente-se à particularidade ou individualidade das coisas; o universo é cheio de uma multidão de seres; a verdade concernente a eles é inerente em sua individualidade, ou em sua unicidade básica? Se for em sua individualidade, então o muitos é fundamental e a fonte apropriada de autoridade, e temos o Nominalismo filosófico. Se for em sua unicidade, então o um é fundamental, e temos o Realismo. De acordo com o Realismo, os universais, que são termos aplicados a todo o universo e podem ser chamados “substâncias secundárias” reais, são aspectos da Ideia única e existem dentro dela. O pensamento egípcio, muito do pensamento grego, e o pensamento escolástico medieval tem sido “realista”. Para o “Nominalismo”, termos abstratos ou gerais não têm nenhuma existência real e são meros nomes aplicados a aspectos da realidade; a realidade pertence aos particulares, particulares físicos reais, de forma que a verdade do ser é simplesmente que coisas individuais existem. A verdade não é alguma abstração com respeito a coisas particulares, mas é simplesmente o fato da particularidade.

A Resposta Trinitariana

O cristianismo ortodoxo tem afirmado outra resposta ao problema, e para tornar clara essa resposta, certas distinções elementares são necessárias. A teologia e a filosofia distinguem entre a trindade ontológica e a trindade econômica ao falar de Deus. O Pai, o Filho e o Espírito Santo são cada um deles uma personalidade, e juntos eles constituem o Deus trino e exaustivamente pessoal, totalmente auto-consciente. Deus é totalmente auto-consciente, significando que ele não tem nenhum aspecto oculto ou desconhecido de seu ser, nenhuma potencialidade não explorada. Ele é realmente auto-consciente e pessoal. Cada uma das pessoas da trindade é igualmente Deus.

Visto que tanto o um como o muitos são igualmente fundamentais em Deus, torna-se imediatamente aparente que esses dois aspectos aparentemente contraditórios do ser não cancelam um ao outro, mas são igualmente básicos para a trindade ontológica: um Deus, três pessoas. Novamente, visto que a unidade e pluralidade temporal são os produtos e a criação deste Deus trino, nem a unidade nem a pluralidade podem exigir o sacrifício do outro em prol de si mesma. Dessa forma, o homem e o governo são igualmente aspectos da realidade criada. O locus do cristianismo é tanto o crente como a igreja; eles não são independentes ou anteriores um ao outro. Os desejos do marido e da esposa não têm prioridade sobre o casamento, nem a instituição do casamento têm primazia sobre os parceiros dele; o casamento é de fato um protótipo de uma realidade eterna (Ef 5.22-25), mas o homem é ele mesmo criado à imagem de Deus (Gn 1.26-27). A educação deve ser voltada tanto para o indivíduo como para a sociedade, mas acima de tudo, a Deus.

[1] Suposições pré-teóricas ou axiomas são proposições religiosamente sustentadas e não provadas que são assumidas como sendo tão verdadeiras numa cultura que é ridículo questioná-las ou tentar prová-las. Elas existem como o próprio fundamento e premissa do pensamento. Eles são religiosamente sustentadas, mas são anteriores a qualquer pensamento religioso formal, bem como a qualquer especulação filosófica.

[2] O um e os muitos é talvez a questão básica da filosofia. A unidade ou a pluralidade, o um ou os muitos, é o fato básico da vida, a verdade fundamental sobre o ser? Se unidade é a realidade, e a natureza básica da realidade, então unicidade e unidade devem ganhar prioridade sobre o individualismo, os particulares ou os muitos. Se os muitos, ou a pluralidade, descrevem melhor a realidade fundamental, então a unidade não pode ganhar prioridade sobre os muitos; então o Estado, a igreja e a sociedade devem ser subordinados à vontade do cidadão, do crente e do homem em particular. Se o um é fundamental, então os indivíduos são sacrificados pelo grupo. Se os muitos é fundamental, então a unidade é sacrificada à vontade dos muitos, e a anarquia prevalece.

Publicado em 5 de novembro de 2010 – 22:48 por Rousas J. Rushdoony

Fonte: Adaptado do livro The One and the Many: Studies in the Philosophy of Order and Ultimacy, futuro lançamento da Editora Monergismo.

Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto. 05 de novembro de 2010.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Roma e a Reforma

210. Qual foi a razão para a Reforma?

Roma, mediante o seu domínio, tinha corrompido a Igreja, e aqueles que eram fieis à Palavra de Deus procuraram restaurar a Igreja às suas verdadeiras doutrinas.

211. Como Roma reagiu?

Roma se opôs violentamente à Reforma em todos os lugares, e todas as igrejas da Reforma eram consideradas como heréticas porque buscavam abolir as corrupções de Roma e rejeitavam as reivindicações do Papado.

212. A Reforma envolveu como afirma Roma, heresia e cima?

Certamente não. Os Reformadores, pelo contrário, consideravam que a Igreja de Roma tinha se apartado de Cristo e da Igreja Apostólica, e o objetivo deles era o retorno ao Evangelho puro e às práticas e princípios do Novo Testamento.

213. O termo ‘protestante’ tem um aspecto positivo e negativo?

Sim. O protestantismo envolve protesto contra o erro, mas também a propagação da Verdade. Um protestante, portanto, no sentido verdadeiro, é aquele que não somente protesta contra as corrupções, abusos e apostasia do romanismo, mas também dá testemunho fiel dos princípios fundamentais do Evangelho como apresentados na Palavra de Deus.

Fonte: Dr. Ian R. K. Paisley, A Concise Guide to Bible Christianity and Romanism.

Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto (31 de outubro de 2010).

domingo, 31 de outubro de 2010

O Evangelho da Reforma







Vivemos numa época em que a mensagem do evangelho está sendo implacavelmente assaltada por dois grandes inimigos: legalismo e antinomianismo. Esses dois erros têm confundido e enganado a muitos, causando estragos espirituais tanto no catolicismo romano como no protestantismo evangélico.


O século dezesseis testemunhou um dos maiores reavivamentos na história da igreja: a Reforma. A igreja protestante nasceu de um protesto contra o legalismo impregnado do catolicismo romano. Os Reformadores pregaram corajosamente o evangelho, testemunhando a mensagem bíblica da suficiência da obra de Cristo, a graça de Deus e a autoridade plena e final da Escritura. Eles trouxeram a igreja de volta à mensagem essencial e libertadora da justificação pela fé como definida pela Palavra de Deus. Desde o século dezesseis o evangelho da Reforma tem sido o padrão de ortodoxia para os protestantes. Hoje, contudo, encontramos um novo interesse no catolicismo romano em todos os lugares do protestantismo conservador, e uma disposição acrítica de abraçar os ensinos da Igreja de Roma. Isso é devido em parte à natureza fraturada do evangelicalismo e a uma ênfase antinomiana que está se tornando mais e mais prevalecente nos círculos evangélicos.

Isso tem desencadeado um debate contínuo dentro do evangelicalismo quanto à natureza da fé salvífica e o significado da salvação. Mas o interesse renovado no catolicismo romano é motivado por mais do que uma reação contra uma forma liberal e antinomista de evangelicalismo. Dado o estado da cultura de hoje há aqueles que desejam que todas as forças conservadoras dentro do cristianismo professante unam-se numa batalha comum na guerra cultural por valores morais. Unidade é o toque de clarim desse movimento, mas uma unidade conseguida à custa da verdade – em particular as grandes verdades do evangelho que foram articuladas pelos Reformadores protestantes. Aqueles evangélicos que promovem tal agenda são míopes. Eles têm esquecido que a Escritura declara que os meios ordenados por Deus para mudar uma cultura é por meio da pregação clara do evangelho de Cristo. Mas é nesse ponto que existe tanta confusão.

Há uma necessidade desesperada hoje de um esclarecimento do evangelho bíblico. Precisamos retornar a uma proclamação corajosa e inflexível da plenitude da verdade do evangelho como revelada na Escritura. Isso é o que caracterizou a pregação e o ensino dos Reformadores. A mensagem do evangelho deles estava fundamentada na autoridade suprema da Palavra de Deus e Deus abençoou os esforços deles com um derramamento do seu Espírito em grande poder e conversão. A resposta para os evangélicos que estão preocupados com a superficialidade do evangelicalismo e o estado da cultura não é a união ou a tolerância com o evangelho legalista de Roma, mas um retorno ao evangelho bíblico da Reforma. É esse evangelho que a grande parte do evangelicalismo abandonou.

Fonte: William Webster, The Gospel of the Reformation (Battle Ground, Washington: Christian Resources, 1997), págs. 12-13. Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto (31 de outubro de 2010).


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miguel silva